domingo, 17 de outubro de 2010

O GATO E A BARATA



            A baratinha velha subiu pelo pé do copo que, ainda com um pouco de vinho, tinha sido largado a um canto da cozinha, desceu pela parte de dentro e começou a lambiscar o vinho. Dada a pequena distância que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada, a baratinha caiu dentro do copo. Debateu – se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu – se mais, bebeu mais, tonteou mais e já quase morria quando deparou com o carão do gato doméstico que sorria de suas aflição, do alto do copo.

-         Gatinho, meu gatinho – pediu ela – , me salva, me salva. Me salva que assim que eu sair eu deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva.

-         Você deixa mesmo eu engolir você? – disse o gato.

-         Me saaaalva! – implorou a baratinha. – Eu prometo.

O gato então virou o copo com uma pata, o líquido escorreu e com ele a baratinha que, assim que se viu no chão, saiu correndo para o buraco mais perto, onde caiu na gargalhada.

-         Que é isso? – perguntou o gato. – Você não vai sair daí e cumprir sua promessa? Você disse que deixaria eu comer você inteira.

-         Ah, ah, ah – riu então a barata, sem poder se conter. – E você é tão imbecil a ponto de acreditar na promessa de uma barata velha e bêbada?

Moral: Ás vezes a autodepreciação nos livra do pelotão.


(Millôr Fernandes. Fábulas fabulosas. 8. ed. Rio de Janeiro, Nórdica, 1963. p. 15-6

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